sexta-feira, 30 de março de 2007

Brasil constrói "espião atômico" até 2010

EDUARDO GERAQUE.
Folha de S.Paulo.




A física brasileira está se armando para ajudar no controle do uso militar da energia nuclear. Nos próximos três anos, a 40 metros do reator da usina de Angra 2, o Brasil verá entrar em funcionamento o seu primeiro detector de neutrinos, partículas elementares que podem revelar, como se fossem uma impressão digital, o que se passa dentro de um reator atômico."
O equipamento será instalado a 10 metros de profundidade, em um laboratório subterrâneo", afirma à Folha João dos Anjos, pesquisador do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) e um dos responsáveis pelo projeto.
A construção do novo detector, que será financiada pelo governo federal via Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), vai custar R$ 1 milhão. "Esse é um projeto que visa colaborar com a criação de salvaguardas nucleares", explica João dos Anjos.
Com o mundo cada vez mais preocupado com o uso militar da energia nuclear --e até com a utilização pacífica dessa energia--, ter mais um método de monitorar o que se passa nas mais de 400 usinas nucleares do mundo é essencial, segundo o pesquisador do CBPF. A vantagem desse tipo de detector é que ele pode, em tese, ser usado mesmo em países que fechem as portas de suas usinas aos inspetores da AIEA.

"No caso do Brasil, que assinou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, essa é uma sinalização clara para a comunidade internacional". Além da questão política --e a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) está dando aval ao projeto brasileiro--, o vigia nuclear nacional tem muito a ver com o desenvolvimento científico. Afinal, a física dos neutrinos é ainda bastante nova e misteriosa.

"O detector é feito com um cintilador líquido. Os neutrinos que saem do reator nuclear, por serem pouco reativos, atravessam tudo. Eles chegam ao equipamento, interagem com os prótons que já estão lá e, depois de outras reações, geram pulsos luminosos", diz Dos Anjos. A energia dos espectros de luz, explica, é que será analisada.
Por meio desses espectros é possível saber então qual a mistura de elementos combustíveis (plutônio ou urânio) que está sendo "queimada" na fissão nuclear que ocorre ali, a algumas dezenas de metros.

"Isso é possível em teoria, por enquanto, porque podemos comparar os espectros já conhecidos, das misturas-padrão, com os que serão gerados. Além disso, esse detector permite medir a potência térmica real do reator e a taxa de neutrinos normalmente produzidos" (veja quadro acima).

No caso de Angra 2, cuja potência é de 1,4 gigawatts, a taxa de produção de neutrinos pode chegar a 1020 por segundo (o número 1 seguido de 20 zeros). Tanto pela mistura dos combustíveis quanto pelo monitoramento da potência, o uso de um reator nuclear para fins não-pacíficos, pelo menos em tese ainda, poderá ser flagrado.

Como a única coisa que interessa na construção da bomba é o plutônio, e ele se forma a partir da fissão nuclear, o roubo desse elemento de dentro da usina para o lugar onde se constrói a arma vai acabar aparecendo nos espectros obtidos no detector.

Haverá menos energia proveniente do plutônio nos dados científicos. A retirada das barras enriquecidas com plutônio, na maior parte das vezes, não pode ser feita sem o reator ser desligado. Essa queda de potência também ficará facilmente estampada nos espectros do "espião atômico".

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