sexta-feira, 2 de março de 2007

Que é um planeta?

A definição de planeta aprovada pela IAU é baseada na arquitetura observada do Sistema Solar,
em que um pequeno número de corpos dominantes, os oito planetas, tem órbitas bem separadas,
em comparação aos enxames de asteróides, cometas e objetos do cinturão de Kuiper, que são menores

A controvertida definição recém-estabelecida de "planeta", que expulsou Plutão do rol planetário, apesar de falha, contempla os princípios científicos essenciais


Por Steven Soter.

A maioria de nós aprendeu desde cedo a definir como planeta corpos que orbitam uma estrela, brilham ao refletir a luz estelar e são maiores que um asteróide. Embora a definição pudesse não ser muito precisa, ela claramente categorizava os corpos que conhecíamos na época.

Mas na década de 90 uma série memorável de descobertas tornou-a insustentável. Além da órbita de Netuno, astrônomos encontraram centenas de mundos gelados, alguns bem grandes, ocupando uma região em forma de rosquinha denominada cinturão de Kuiper.

Nos arredores de outras estrelas, identificaram mais planetas, muitos dos quais com órbitas em nada semelhantes às que vemos no Sistema Solar. Além disso, descobriram anãs-marrons, que dificultam a distinção entre planetas e estrelas. E deparam com objetos similares a planetas à deriva na escuridão do espaço interestelar.

Essas descobertas deram início a um debate sobre o que realmente seria um planeta e levaram à decisão de agosto último da União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês), a principal sociedade profissional de astrônomos.
Segundo os novos critérios, um planeta é um objeto que órbita uma estrela, é grande o suficiente para ter forma redonda e - o que é crucial - "limpou a vizinhança próxima à sua órbita".

De forma controversa, a definição atual tira Plutão do rol planetário. Alguns astrônomos dizem que vão se recusar a usá-la e organizaram um abaixo-assinado de protesto.

Esse não é apenas um debate sobre palavras. A questão é cientificamente importante. A nova definição de planeta reflete avanços na forma como entendemos a arquitetura do nosso e de outros sistemas solares.
Esses sistemas se originam por acreção: pequenos grãos se reúnem para formar grãos maiores, que então se juntam para estruturar pedaços ainda maiores, e assim por diante.

No final, o processo dá origem a um pequeno número de corpos maciços - os planetas - e a um grande número de corpos bem menores - os asteróides e os cometas, que representam detritos deixados pela formação dos planetas. Em resumo, longe de ser categoria arbitrária, "planeta" é uma classe objetiva de corpos celestes.

Quando a Terra Virou Planeta.

A reavaliação dos astrônomos a respeito da natureza planetária tem raízes históricas profundas. Os gregos antigos reconheciam sete luzes no céu que se moviam contra o padrão de estrelas de fundo: o Sol, a Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno.

Eles os chamavam planetes, ou errantes. Note que a Terra não está na lista. Durante a maior parte da história humana, a Terra não era tida como planeta, mas como o centro - ou fundação - do Universo. Depois que Nicolau Copérnico persuadiu os astrônomos de sua época de que o Sol, e não a Terra, ficava no centro, eles redefiniram os planetas como objetos que orbitam o Sol, colocando a Terra na lista e retirando o Sol e a Lua. Urano foi incluído em 1781 e Netuno em 1846.

Ceres, descoberto em 1801, foi inicialmente apresentado como o planeta perdido que preenchia o vão entre Marte e Júpiter. Mas os astrônomos começaram a ter dúvidas quando encontraram Pallas numa órbita similar, no ano seguinte. Diferentemente dos planetas clássicos, que os telescópios mostravam como pequenos discos, tanto Ceres quanto Pallas apareciam como meros pontos de luz.

O astrônomo inglês William Herschel propôs chamá-los de "asteróides". Em 1851, seu número havia aumentado para 15, e já era incômodo considerá-los todos planetas. Os astrônomos então decidiram listar os asteróides pela ordem de sua descoberta e não por sua distância do Sol, como faziam com os planetas - a aceitação de fato dos asteróides como membros de uma população distinta.

Se ainda contássemos asteróides como planetas, as crianças que estudassem o Sistema Solar teriam agora de decorar 135 mil planetas numerados. Plutão tem história similar.

Descoberto por Clyde Tombaugh em 1930, foi recebido por astrônomos como o tão esperado "Planeta X", cuja gravidade responderia por peculiaridades inexplicadas na órbita de Netuno. Plutão acabou sendo o menor não só de todos os planetas, mas também menor que sete de suas luas, incluindo a da Terra.

Outras análises revelaram que as peculiaridades na órbita de Netuno eram ilusões. Por seis décadas, Plutão foi uma anomalia singular na borda exterior do sistema planetário.

Assim como Ceres só começou a fazer sentido quando foi reconhecido como um exemplar da vasta população de asteróides, Plutão só se encaixou no momento em que os astrônomos viram tratar-se de um entre os inúmeros objetos do cinturão de Kuiper (KBOs, na sigla em inglês).

Foi então que começaram a reconsiderar se Plutão ainda deveria ser denominado planeta. Historicamente, revogar o status planetário de Plutão não seria sem precedentes; a lista de ex-planetas inclui o Sol, a Lua e os asteróides. A despeito disso, muitas pessoas defendiam que Plutão continuasse sendo considerado planeta, porque quase todo mundo havia se acostumado a pensar nele dessa forma.

A descoberta em 2005 de Eris (antes conhecido como 2003 UB313 ou Xena), um objeto do cinturão de Kuiper ainda maior que Plutão, trouxe a questão para a ordem do dia. Se Plutão é um planeta, então Eris também deveria ser, ao lado de vários potenciais KBOs de grande porte; alternativamente, se Plutão não é planeta, nenhum outro KBO poderia ser. Em que termos objetivos os astrônomos poderiam decidir?

Limpando o Ar.

Para evitar uma proliferação sem fim de planetas, Alan Stern e Harold Levison, do Instituto de Pesquisa Southwest, sugeriram em 2000 que um planeta poderia ser definido como um corpo menos maciço que uma estrela, mas grande o suficiente para que sua gravidade se sobreponha à sua rigidez estrutural e o deixe com forma redonda.

A maioria dos corpos com raio maior que algumas centenas de quilômetros satisfaz esse último critério. Os menores com freqüência têm forma irregular; muitos deles são basicamente montanhas gigantes.

Essa foi a definição escolhida no início de agosto pelo Comitê de Definição de Planeta da IAU, chefiado por Owen Gingerich, da Universidade Harvard. Ela teria mantido Plutão como planeta, mas ao custo de admitir potencialmente dezenas de KBOs e restaurar o status planetário de Ceres, o maior asteróide e o único sabidamente esférico.

Muitos astrônomos argumentaram que o critério da esfericidade seria inadequado. Em termos práticos, é muito difícil observar as formas de KBOs distantes, por isso seu status permaneceria ambíguo. Além do mais, asteróides e KBOs cobrem um espectro quase contínuo de tamanhos e formas.

Como devemos quantificar o grau de esfericidade que distingue um planeta? A gravidade domina esse corpo se sua forma se desviar de um esferóide por 10% ou 1%? A Natureza não fornece um vão desocupado entre formas redondas e não-redondas, então qualquer fronteira seria arbitrária.

Stern e Levison propuseram outro critério que, no entanto, leva a uma forma não-arbitrária de classificar objetos. Eles apontaram que alguns corpos no Sistema Solar são suficientemente maciços para engolir ou espantar a maioria de seus vizinhos imediatos.

Corpos menores, incapazes de fazer isso, ocupam órbitas instáveis e transitórias e têm um guardião peso-pesado que estabiliza suas órbitas. Por exemplo, a Terra é grande o suficiente para engolir ou afastar qualquer corpo que chegue perto demais, como um asteróide próximo.

Ao mesmo tempo, a Terra protege sua Lua de ser engolida ou afastada. Cada um dos quatro planetas gigantes comanda uma série de satélites. Júpiter e Netuno também mantêm suas próprias famílias de asteróides e KBOs (chamados Troianos e Plutinos, respectivamente) em órbitas especiais denominadas ressonâncias estáveis, onde uma sincronia orbital impede colisões com os planetas.

Esses efeitos dinâmicos sugerem uma forma prática para a definição de planeta: um corpo maciço o suficiente para dominar sua zona orbital, ao afastar objetos menores, incorporá-los por colisões, ou mantê-los em órbitas estáveis.

Segundo a física orbital básica, a probabilidade de um corpo maciço defletir um menor de sua vizinhança durante o tempo de vida atual do Sistema Solar é mais ou menos proporcional ao quadrado de sua massa (que determina o alcance gravitacional do corpo maciço por dada quantidade de deflexão) e inversamente proporcional ao período orbital (que governa a taxa em que os encontros ocorrem).

Os oito planetas, de Mercúrio a Netuno, têm probabilidade milhares de vezes maior de engolir ou afastar vizinhos pequenos que mesmo os maiores asteróides e KBOs (onde estão incluídos Ceres, Plutão e Eris). Mercúrio e Marte, por si mesmos, não têm massa suficiente para dissipar todos os corpos nas redondezas.

Mas Mercúrio ainda é grande o bastante para afastar a maioria dos objetos que cruzam sua órbita, e Marte tem influência gravitacional suficiente para defletir corpos em trânsito em órbitas instáveis próximas, incluindo algumas com períodos com exatamente um terço ou um quarto do de Júpiter. A gravidade do planeta gigante então completa a tarefa de ejetar esses objetos da vizinhança de Marte.

A habilidade de limpar a vizinhança depende de um contexto dinâmico específico; não é propriedade intrínseca do próprio corpo. No entanto, a grande diferença em poder dinâmico fornece uma maneira clara de distinguir planetas de outros corpos. Não precisamos de uma distinção arbitrária porque, pelo menos em nosso próprio Sistema Solar, a Natureza faz isso por nós.

Reis de seus Reinos
Um critério próximo a este foi proposto em 2004 pelo astrônomo Michael Brown, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). De acordo com sua definição, "qualquer corpo no Sistema Solar mais maciço que a massa total de todos os outros corpos em órbitas similares" é um planeta.

Para tornar isso mais preciso, sugeri substituir "órbita similar" pelo conceito de zona orbital. Dois corpos compartilham essa zona se suas órbitas em algum ponto se cruzam, se seus períodos orbitais diferem por um fator inferior a 10 e se eles não estão em ressonância estável. Para aplicar a definição, fiz um censo dos corpos pequenos conhecidos que orbitam o Sol.

A Terra, por exemplo, compartilha sua zona orbital com cerca de mil asteróides com mais de 1 km de diâmetro, a maior parte deles praticamente "recém-chegados" do cinturão de asteróides entre Marte e Júpiter. Eles somam menos de 0,0001% da massa de nosso planeta.

A razão entre a massa de um corpo e a massa de todos os outros corpos que compartilham sua zona orbital pode ser abreviada por µ. Para a Terra, µ é cerca de 1,7 milhão. Na verdade, a Terra parece ter o maior valor de µ no Sistema Solar. Júpiter é 318 vezes mais maciço, mas compartilha sua zona orbital com um grupo maior de objetos.

Marte tem o menor valor de µ de todos os planetas clássicos (5.100), mas mesmo esse é bem maior que o valor de Ceres (0,33) ou Plutão (0,07). O resultado é assustador: os planetas estão num campeonato diferente dos asteróides e KBOs, e Plutão é claramente um KBO.

Esse argumento ajudou a persuadir a IAU a definir um planeta em termos de "limpar" sua vizinhança orbital. A IAU pode ter de emendar a definição para especificar que grau de limpeza qualifica um corpo como planeta.
Sugeri estabelecer um valor de corte para µ de 100. Ou seja, um corpo em nosso Sistema Solar é um planeta se responder por mais de 99% da massa de sua zona orbital. Mas o valor exato desse corte não é crítico. Qualquer valor entre 10 e 1.000 teria o mesmo efeito.

Um planeta é, portanto, um corpo que engoliu ou espalhou a maior parte da massa de sua zona orbital. A divisão clara de corpos em planetas e não-planetas revela aspectos importantes do processo que formou o Sistema Solar. Todos esses corpos cresceram de um disco achatado de gás e poeira em órbita do Sol primordial.

Na competição pela quantidade limitada de material bruto, alguns corpos venceram. Seu crescimento se tornou auto-reforçador, de modo que, em vez de um espectro contínuo de corpos de todos os tamanhos, o resultado foi um único corpo grande que dominou cada zona orbital.

Os corpos menores foram capturados pelos maiores, ejetados do Sistema Solar ou engolidos pelo Sol, e os sobreviventes se tornaram os planetas que vemos hoje. Os asteróides e cometas, incluindo os KBOs, são detritos que sobraram.

Nosso Sistema Solar está agora na fase final de limpeza. Os asteróides têm órbitas que permitem sua colisão entre si e com os planetas. O cinturão de Kuiper é remanescente da região exterior do disco de acreção original, onde o material era muito esparso para formar outro planeta.

Os planetas do nosso Sistema Solar têm órbitas que não se cruzam e, portanto, não podem colidir. Como os corpos dinamicamente dominantes, eles precisam ser poucos em número. Se outro planeta tentasse se colocar entre os existentes, perturbações gravitacionais rapidamente desestabilizariam sua órbita.

Uma situação similar parece verdadeira também para outros sistemas planetários. Até agora, pesquisadores encontraram cerca de 20 sistemas com mais de um planeta. Na maioria, os planetas têm órbitas sem intersecção, e nas três exceções as órbitas sobrepostas parecem estar em ressonância, possibilitando que os planetas sobrevivam sem colidir.

Todos os companheiros não-estelares de estrelas como o Sol têm grandes valores de µ e se qualificariam como planetas pelo critério de dominação dinâmica.

Fim de Jogo.

Planeta é o produto final da acreção de um disco ao redor de uma estrela. Essa definição se aplica apenas a sistemas maduros, como o nosso, em que a acreção já foi completada. Para sistemas mais jovens, os corpos maiores não são estritamente planetas, mas sim embriões planetários, e os corpos menores são denominados planetesimais.

A definição da IAU ainda inclui a esfericidade como critério para distinguir um planeta, embora estritamente falando isso seja desnecessário. O critério da limpeza orbital já diferencia planetas de asteróides e cometas. A definição também remove a necessidade de um limite superior de massa para separar planetas de estrelas e anãs-marrons.

As relativamente raras anãs-marrons que servem de companheiras de estrelas em órbitas próximas podem ser classificadas como planetas; diferentemente das anãs-marrons em órbitas maiores, elas devem ter se formado do disco de acreção.

Em resumo, a diferença entre planetas e não-planetas é quantificável, tanto na teoria quanto por observações. Todos os planetas do nosso Sistema Solar têm massa suficiente para ter engolido ou espalhado todos os planetesimais originais de suas zonas orbitais.

Hoje, cada planeta contém pelo menos 5 mil vezes mais massa que todos os detritos em sua vizinhança. Asteróides, cometas e KBOs, incluindo Plutão, em contraste, vivem em meio a grupos de corpos comparáveis.

Uma objeção considerável a qualquer definição desse tipo é o argumento de que objetos astronômicos deveriam ser classificados apenas por suas propriedades intrínsecas, como tamanho, forma ou composição, e não por sua localização ou contexto dinâmico.

Esse argumento ignora o fato de que os astrônomos classificam todos os objetos que orbitam planetas como "luas", embora dois deles sejam maiores que Mercúrio e muitos sejam asteróides e cometas capturados. Contexto e localização são claramente importantes.

De fato, a distância ao Sol determinou que corpos mais próximos se tornassem pequenos planetas rochosos e os mais distantes virassem planetas gigantes ricos em gelo e gases voláteis. A nova definição distingue planetas - que dinamicamente dominam um grande volume de espaço orbital - de asteróides, KBOs e embriões planetários ejetados, incapazes de exercer tal domínio.

Os oito planetas são os produtos finais dominantes do disco de acreção e diferem reconhecidamente das vastas populações de asteróides e KBOs.

A definição histórica dos nove planetas sem dúvida desempenha forte atração sentimental. Mas definições ad hoc criadas para proteger Plutão tendem a esconder do público as mudanças profundas que ocorreram desde o início da década de 90 na forma como entendemos a origem e a arquitetura do Sistema Solar.

Por 76 anos, nossas escolas ensinaram que Plutão era um planeta. Alguns argumentam que cultura e tradição são suficientes para deixar as coisas assim. Mas a ciência não pode se prender a enganos do passado. Para ser útil, uma definição científica deveria refletir a estrutura do mundo natural.

Podemos revisá-las quando necessário para refletir o melhor entendimento decorrente das novas descobertas. O debate na definição de um planeta irá fornecer a educadores um exemplo didático de como conceitos científicos não estão gravados em pedra, mas continuam evoluindo.

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