A morte em massa na antiga Madagascar durante o Cretáceo tardio oferecia um lauto banquete para aqueles que se alimentavam dos mortos. Necrofagia, o ato de se alimentar de cadáveres ou de carniça, é um nicho alimentar que precisa ser preenchido para a reciclagem biológica ocorrer a contento, e os profissionais modernos incluem desde bactérias a grandes vertebrados.
Ao lado de nosso colega Eric M. Roberts, que nos acompanhou a Madagascar há uma década na condição de estudante de graduação (e que atualmente dá aulas na Universidade de Witwatersrand, em Johanesburgo, África do Sul), encontramos vestígios de atividade de insetos necrófagos nos ossos de dinossauros de Madagascar: cavidades ovais com 1 cm de comprimento, em geral em partes que haviam sido ocupadas por tecido esponjoso dentro dos ossos.
Essas cavidades são sinais de que besouros adultos infestavam os cadáveres, se alimentavam da carniça e depois colocavam seus ovos nas proximidades. As larvas também se alimentavam da carniça, usando suas fortes mandíbulas para escavar as cavidades, que serviam como câmaras para formação das crisálidas.
Os insetos não eram as únicas criaturas a se alimentar dos mortos. Análises de marcas de mordidas oferecem dados irrefutáveis de que os dinossauros também se fartavam desse repasto.
Trabalhando em colaboração com Kristina Curry Rogers, do Museu de Ciências de Minnesota, registramos marcas de dentes do tetrápode Majungatholus atopus (dinossauro com 7 metros de comprimento) de uma amostra de ossos encontrados em pelo menos três diferentes brechas ósseas. Comparando o formato e o tamanho das marcas de dentes com as mandíbulas e dentes de vários carnívoros, pudemos excluir todos os outros suspeitos portadores de dentes afiados.
Alguns dos ossos mordidos de nossa amostra pertencem ao Rapetosaurus, um dinossauro saurópode de pescoço longo até então desconhecido, que Curry Rogers descreveu em sua dissertação defendida na Universidade Stony Brook.
No entanto, a grande maioria dos ossos com marcas de dentes (basicamente costelas e vértebras) pertencia ao Majungatholus atopus. O canibalismo como estratégia ecológica não é nem de longe raro entre os seres vivos, e ele certamente foi comum entre os dinossauros.
Desenterrar indícios para provar esse ponto, no entanto, é outra coisa, e nas brechas ósseas de Madagascar estão os únicos casos claros e seguros documentados até hoje de canibalismo entre dinossauros.
Infelizmente, os sinais de marcas de dentes não são conclusivos quanto a se os Majungatholus atopus de fato matavam os indivíduos dos quais ele se alimentava - predando, assim, a sua própria espécie - ou se eles simplesmente se aproveitavam da oportunidade para se alimentar de restos das carcaças de outros animais.
A história da massa de terra que forma Madagascar oferece indicações sobre o que matou tantos animais na ilha 70 milhões de anos atrás. No começo da Era Mesozóica (há 250 milhões de anos), Madagascar ficava no coração de Gonduana.
A atividade tectônica rearranjou as placas litosféricas da Terra, e por volta do início do Cretáceo (130 milhões de anos atrás) Madagascar estava posicionada a 400 km do continente africano; ela então se uniu à placa africana e começou a se mover em direção ao norte. Quando as mortes sob investigação se deram, o norte de Madagascar se encontrava próximo a 30º de latitude sul, onde as condições climáticas se alternavam entre secas prolongadas e períodos de chuva intensa.
Fonte: http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/no_rastro_de_um_antigo_matador.html
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