quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Falsas Memórias: Por que lembramos de coisas que não aconteceram?

Lilian Milnitsky Stein
Carmem Beatriz Neufeld


Apresentaremos, inicialmente, uma revisão histórica sobre o estudo das falsas memórias. A seguir, discutiremos a taxinomia das falsas memórias, bem como, o modo como elas vem sendo estudadas. Serão abordados alguns dos modelos teóricos explicativos sobre as falsas memórias, suas principais contribuições e limitações.

Apresentaremos também algumas das manipulações experimentais freqüentemente encontradas nos estudos sobre falsas memórias, e suas implicações práticas nas áreas da Psicologia Jurídica e Clínica.

Ao longo deste século, os pesquisadores têm se interessado cada vez mais pelos estudos sobre a falsificação da memória, ou seja, o fato de lembrarmos de eventos que na realidade não ocorreram, e de como se dá esse processo de falsificação.

Motivados por suas implicações legais e clínicas, os estudos sobre as falsas memórias tem proliferado, especialmente na última década, tendo como base os aportes da Psicologia Experimental Cognitiva.
Questões relacionadas a habilidade das pessoas de relatarem fidedignamente os fatos testemunhados, tanto como vítimas de abuso físico ou sexual, quanto como testemunhas oculares de contravenções em geral, têm incentivado os estudos científicos na área das falsas memórias.

De acordo com ROEDIGER
(1996), os primeiros experimentos demonstrando a ilusão ou falsificação da memória em crianças foram os de BINET em 1900, na França, e os de STERN em 1910, na Alemanha. O primeiro autor a pesquisar a falsificação da memória em adultos foi BARTLETT (1932).

Bartlett ressaltou a importância das expectativas individuais para o entendimento e a recordação dos fatos. No seu clássico experimento, Bartlett apresentou a sujeitos ingleses uma lenda do folclore dos índios norte-americanos, onde muitos dos fatos, bem como sua seqüência, eram estranhos à lógica ocidental.

Ao solicitar aos sujeitos que recordassem a lenda, Bartlett constatou que os mesmos reconstruíam a estória, com base em suas expectativas e suposições ocidentais, ao invés de lembrá-la literalmente como havia sido apresentada. Era como se a memória dos sujeitos para a estória realmente apresentada tivesse sido internamente distorcida.

Outro trabalho pioneiro sobre falsas memórias em adultos foi realizado por Elizabeth Loftus e seus colaboradores. LOFTUS e PALMER
(1974)
introduziram um novo paradigma para o estudo dos processos de falsificação da memória, o chamado paradigma da falsa informação ou sugestão.

Num típico experimento com o paradigma da falsa informação, uma cena original era apresentada aos sujeitos, apresentando, por exemplo, um acidente de carro devido ao avanço inapropriado de um dos motoristas na placa de "dê a preferência".
Numa segunda etapa, o experimentador sugeria, para metade do grupo de participantes do experimento, alterações quanto ao que havia sido visto na cena original (por exemplo: ao invés da placa de "dê a preferência", era sugerido que a placa era de "pare").

Num terceiro momento, quando a memória para a cena original era testada, a grande maioria dos sujeitos que havia sofrido a sugestão da informação falsa, respondiam de acordo com ela, ou seja, afirmavam terem visto a placa de “pare”, apesar de terem sido instruídos a responderem com base somente na cena original, apresentada anteriormente na seqüência de slides.

Hoje em dia, não há mais dúvidas quanto a existência deste fenômeno denominado de falsas memórias (SCHACTER,
1999
). A dificuldade está em explicar, com uma sólida base teórica, porque e como ele ocorre na mente humana. A primeira tentativa de explicar as falsas memórias foi do Construtivismo, representado por Bartlett e Loftus.

Outra teoria que também tem buscado explicar o fenômeno das falsas memórias foi proposta por Marcia Johnson e seus colegas (JOHNSON e RAYE,
1981).
Seu trabalho centrou-se em como os sujeitos distinguiam a origem da informação na qual a memória se baseava, seja de fonte externa (eventos realmente vividos) ou fonte interna onde as informações seriam derivadas internamente (eventos imaginados ou produzidos).

Sua teoria foi denominada de Teoria do Monitoramento da Fonte da Informação (JOHNSON, HASHTROUDI e LINDSAY,
1993). A teoria do Traço Difuso (REYNA e BRAINERD, 1995) também propõe uma explicação para o fenômeno da falsificação da memória, sendo este o referencial teórico que atualmente, segundo BJORKLUND (1995),
tem melhor dado conta de explicar o fenômeno das falsas memórias.

Continua

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