quinta-feira, 15 de novembro de 2007

O Deus de Einstein

Por: Marcelo Gleiser

A religiosidade de Einstein, que cresceu dentro da tradição judaica, certamente não pertencia à ortodoxia. Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu". "Por que você me escreve dizendo que "Deus deveria punir os ingleses?"
Não tenho relação íntima com um ou outro. Vejo apenas com grande tristeza que Deus pune tantas de suas crianças por seus inúmeros atos de estupidez, atos pelos quais Deus apenas deveria ser o responsável; em minha opinião, apenas a sua não-existência poderia desculpá-lo".
Assim escreveu Albert Einstein a seu colega Edgar Meyer em carta datada 2 de janeiro de 1915, o ano em que concluiu sua teoria da relatividade geral, que reformulou nossa concepção da gravidade. Essas são as palavras de alguém que carrega um grande senso de traição com relação à religião organizada, à crença em um Deus onipresente, o Deus bíblico.

A religiosidade do físico suíço-alemão, que cresceu dentro da tradição judaica, certamente não se encaixava na ortodoxia. Contraste o texto acima com este: "Tudo é determinado... por forças além de nosso controle. Isto é verdade para um inseto ou uma estrela.

Seres humanos, vegetais, grãos de poeira todos dançam segundo uma melodia misteriosa, entoada à distância por um flautista invisível". ("Saturday Evening Post",
26 de outubro de 1929). Ou este: "Acredito no Deus de Espinosa, revelado na harmonia de tudo o que existe, mas não em um Deus que se preocupa com o destino e as ações dos homens". (Telegrama para um jornal judaico datado de
1929).

O "flautista invisível" representa um Deus que se revela através da "harmonia de tudo o que existe", no discorrer das transformações do mundo natural. Espinosa, um filósofo que viveu no século 17, acreditava que Deus e o mundo material eram indistinguíveis, que, quanto melhor compreendemos o funcionamento do Universo, mais nos aproximamos de Deus.

Para Einstein, a ciência é essencialmente uma atividade religiosa. Religião, claro, que trata a natureza como metáfora do divino e o cientista como seu sacerdote, aquele capaz de desvendar os seus mistérios. Essa atitude tem suas raízes em Platão, que via a essência do divino na razão humana.

A elegância das figuras geométricas, suas relações e proporções, formam a linguagem que usamos para decifrar o código usado por "Deus" para construir o cosmo. A matemática é o alfabeto da Criação. "O comportamento ético dos homens deve se basear na simpatia, educação e nos laços sociais; não é necessário base religiosa.

Os homens estariam em péssima situação se tivessem que ser controlados pelo medo de punição [divina] ou pela esperança de salvação após a morte." ("New York Times Magazine",
9 de novembro de 1930
). Aqui Einstein argumenta que a religião organizada não é necessária para estabelecer as bases de um comportamento ético.

Impor o controle social pelo medo ou pelas crenças mostra o quão imaturo é ainda o homem. A essência do equilíbrio social não se encontra na religião mas no respeito à vida, ao outro, ao mundo.
Einstein (1879-1955) sobreviveu a duas guerras mundiais, foi testemunha do genocídio de 6 milhões de judeus pelos nazistas, de um número ainda maior de russos por Stálin, de centenas de milhares de japoneses pelas bombas atômicas americanas.

Se estivesse vivo hoje, veria que pouco mudamos. Imagino que se trancaria em seu escritório e tentaria desvendar mais um mistério, rabiscando fórmulas matemáticas em um papel, a única prece que acreditava poder purificar a sua essência.

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