Eles não contam para ninguém e não gostam de comentar o assunto em público. Mas muita gente de primeiro time anda atrás da resposta: como é que se faz para viajar no tempo?
Flávio Dieguez e Carlos Eduardo Lins da Silva, de Washington, com Cássio Leite Vieira.
"No fundo, o que todo médico que trabalha com Aids procura é uma vacina em seu laboratório. Assim como os físicos buscam a viagem no tempo. Só que ninguém conta”.
Robert Gallo, virologista americano.
"Imaginem a gritaria sobre desperdício de dinheiro público se descobrissem que a National Science Foundation fazia pesquisas sobre viagem no tempo. Por isso, os cientistas tentam disfarçar seu interesse”.
Stephen Hawking, físico inglês.
Não existe sonho mais fantástico do que viajar através do tempo, voltar ao passado ou avançar pelas décadas à frente. O problema é que, além de fantástico, esse é um sonho comprometedor. Nenhum cientista pode sonhá-lo em público sem correr o risco sério de dar uma de maluco.
Mas agora, para surpresa dos próprios físicos, a possibilidade de atravessar os séculos para frente e para trás não pode ser de forma alguma descartada.
Desde o final da década passada o físico americano Kip Thorne, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, trouxe à tona um objeto simplesmente estupendo: o wormhole, que, em inglês, quer dizer buraco de minhoca. Com esse nome nada futurista, até meio invertebrado, o wormhole pode ser a peça-chave de um futuro ônibus do tempo.
E o que é esse bicho? É uma espécie de túnel que, segundo a teoria, pode existir no Universo. Como se fosse um atalho cósmico, ele ligaria pontos superdistantes de um modo tal que, se alguém pudesse caminhar por ele, chegaria rapidamente à outra extremidade.
Ou seja, ganharia um tempo enorme. A idéia de Thorne, então, seria aproveitar esses túneis, deslocando suas extremidades para os pontos desejados e conseguir, com idas e voltas por dentro deles, saltos não apenas no espaço, mas também no tempo (sem destaque no original).
Por enquanto, essa máquina do tempo só existe na teoria. Mas, exatamente porque só existe na teoria, tem aquele fascínio dos aviões e helicópteros esboçados nas pranchetas do século XV pelo italiano Leonardo da Vinci. Como o velho gênio italiano, Kip Thorne foi além dos limites do que é possível em sua era. Ao virar a página, você vai ler o que Thorne tem a dizer sobre a máquina mais fascinante que o homem já desejou criar.
Ir para frente é fácil. Duro é andar para trás
Você pode não levar a sério, mas viajar no tempo não é apenas possível. É até inevitável, em certas circunstâncias. A ciência sabe disso desde 1905, data em que o alemão Albert Einstein formulou a Teoria da Relatividade.
"O princípio é muito simples", disse à SUPER o americano Michael Morris, da Butler University, em Indianápolis, pesquisador vital nos mais importantes avanços da atualidade. "Basta embarcar numa nave que alcance velocidade bem próxima à da luz, de 300000 quilômetros por segundo", explica Morris.
"Automaticamente o tempo na nave vai começar a passar mais devagar do que na Terra”. Na volta, portanto, o viajante estará mais jovem do que os que não voaram. Em números, se o relógio da nave, nessa velocidade, marca a passagem de 12 horas, os da Terra marcam muito mais: uma década. Ou seja, em relação a quem ficou aqui, o viajante terá feito uma travessia de dez anos para o futuro.
Sagan faz um pedido.
Já não há dúvida alguma sobre esse efeito, que foi testado e comprovado exaustivamente nos últimos trinta anos. A precisão dos resultados só não é maior porque, como as velocidades usadas são muito inferiores à da luz, o ritmo do tempo também não se altera muito. Assim, as viagens já feitas ao futuro geralmente são curtas, da ordem de frações de segundo. Mas a possibilidade, hoje, é um consenso tranqüilo entre todos os físicos, diz Morris.
Em 1985, ele embarcou numa investigação muito mais complicada: era a possibilidade de viajar para o passado. A história começou com um telefonema do astrofísico, divulgador científico e escritor Carl Sagan, da Universidade Cornell, a um amigo.
O amigo era o físico teórico Kip Thorne, do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Sagan estava escrevendo o romance Contato[1], lançado no Brasil em 1986. Queria saber se era cientificamente plausível viajar pelo "hiperespaço", que na ficção-científica é um meio de cruzar imensas distâncias quase instantaneamente. Foi então que, decidido a mergulhar no assunto, Thorne convocou Morris para ajudá-lo nas pesquisas.
Thorne chegou a uma conclusão extraordinária: o imaginário hiperespaço talvez pudesse viabilizar as expedições no tempo. E com destino ao passado, tanto quanto ao futuro! Em 1994, ele lançou um livro clássico com essas conclusões: Black Holes and Time Warps (Buracos Negros e Dobras no Tempo, ainda não editadas no Brasil).
Como tirar as dúvidas?
Antes de começar a falar em passeios ao passado, duas coisas precisam ficar claras. Primeiro, a possibilidade é real, existe mesmo. Não é mágica, não é bruxaria. Segundo essa possibilidade está sendo estudada com extrema cautela, pois os conhecimentos atuais da Física podem não ser suficiente para resolver as dúvidas que ainda existem.
Enfim, os meios materiais para construir uma máquina do tempo como a que a teoria sugere estão muito além da tecnologia disponível. Muito, muito além. Como escreveu Thorne em seu livro: "Mesmo se as máquinas do tempo fossem possíveis pelas leis da Física ainda estaríamos mais longe delas do que o homem das cavernas estava das viagens ao espaço".
Como cavar um buraco de metrô no espaço vazio.
Para viajar no tempo da maneira como o teórico americano Kip Thorne visualizou é preciso embarcar num paradoxo: abrir um buraco no espaço vazio, bem do tipo que liga nada a lugar nenhum. Para entender melhor, pense por um momento nos buracos negros.
Eles nascem quando uma estrela superpesada (pelo menos três vezes e meia, maior do que o Sol) se apaga e fica sem energia luminosa. A estrela escurecida desaba sobre si mesma, produzindo uma esfera absolutamente preta, ultracompacta, com uma força gravitacional apavorante.
Traga até mesmo os raios de luz. Dentro dela, ninguém sabe direito o que existe. Certamente não é o espaço comum. Será que, entrando lá, alguém iria sair em outro lugar do Universo?
Passeio num wormhole.
Em 1986, Thorne já sabia que não. Tudo o que cai num buraco negro é esmagado. Propôs então viajar dentro de wormholes, os tais "buracos de minhoca" que já eram descritos em outros estudos de Cosmologia. A grande vantagem dos wormholes (que são conhecidos apenas em teoria) sobre os buracos negros é que, apesar de também ter densidade altíssima, eles não trituram ninguém.
Mais do que isso: como os wormholes têm duas bocas, situadas em locais diferentes do Universo, seriam os túneis ideais. Só faltava direcioná-los. A partir da Teoria da Relatividade - que ensina que um relógio em movimento marca o tempo mais devagar em relação a um relógio que está imóvel - Thorne imaginou pôr uma das bocas de um wormhole dentro de uma nave, mandando-a para uma velocíssima viagem. A outra boca ficaria na Terra.
Na volta, uma das bocas, a que viajou, estaria atrasada no tempo. É claro! Se essa viagem acontecesse hoje, numa velocidade bem próxima à da luz, bastariam 12 horas de passeio para conseguir um intervalo de dez anos na Terra. Pronto! Sai um túnel do tempo para viagem: uma das bocas estaria em 2006; a outra, em 1996. E quanto tempo levaria para atravessar o túnel do tempo depois de pronto? Menos de 1 segundo.
Estigma de físico maluco
É uma hipótese tão doida que Thorne viu-se diante do risco de ser chamado exatamente disso: doido. Tornou-se muito zeloso da imagem de seus colaboradores, Michael Morris e Ulvi Yurtsever, além da sua própria. Tanto que, em seu livro, escreveu que temia "que a reputação científica de Morris e Yurtsever fosse manchada com o estigma de físicos malucos de ficção científica".
Decidiu não falar mais sobre o assunto com a imprensa. Procurado pela SUPER, apenas reafirmou, por telefone e pela Internet, sua opção pelo silêncio. Morris foi mais claro: "Muitas coisas que dizemos não significam o que normalmente a imprensa acha que significam. Nós não gostamos de ver esse assunto ser sensacionalizado e ninguém quer ser acusado de ter contribuído para a sua sensacionalização".
A SUPER com está reportagem cumpre seu papel de informar, revelando a importância que Thorne e Morris deram à pesquisa sobre o tempo. Como diz o físico brasileiro Carlos Escobar, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, "o tema, sem dúvida, deve ser coberto pela imprensa. Com toda a seriedade”.
Por que o sonho ainda é só um sonho
As viagens no tempo ainda não estão garantidas por vários motivos. Tecnologicamente, nem se fala. Se é que existem de fato, os wormhole têm um peso bem maior que o do planeta Terra. Não existe veículo capaz de carregar a boca de um monstro desses, como seria necessário para montar uma máquina do tempo. Mas o maior problema é teórico.
Porque a origem dos wormholes tem a ver com a energia espalhada pelo espaço. Mesmo onde não há nenhum átomo ou fragmento de átomo, existe luz e força gravitacional, e isso é energia. Ou melhor, é um caos: a energia, em vez de se espalhar por igual, pode muito bem, sem aviso prévio, acumular-se de forma brutal num ponto qualquer. Pois aí poderiam nascer os wormholes.
Mas há dois problemas. Primeiro: eles surgem e somem num piscar de olhos. Tão rápido que nem dá tempo de transformá-los em túneis do tempo. Segundo problema: no nascimento, eles seriam infinitamente pequenos. Seria preciso achar alguma coisa que pudesse aumentar o tamanho do wormhole e mantê-lo aberto durante um período maior.
Essa "alguma coisa", para Thorne, seria matéria com gravidade negativa, ou antigravidade. De novo, ele se socorreu na Teoria da Relatividade, segundo a qual dois fatores produzem gravidade. Um é a massa, sempre positiva. O outro é uma pressão que a massa cria à sua volta, e a pressão tanto pode ser positiva (de fora para dentro) quanto negativa (de dentro para fora).
Em algumas situações, a gravidade da pressão negativa supera a da massa. Portanto, sobra gravidade negativa. A matéria nessas condições seria útil. Ela serviria para manter o wormhole aberto e aumentá-lo. Os argumentos de Thorne convenceram diversos cientistas, que agora tentam projetar um "gerador" de wormholes.
O italiano Claudio Maccone, do Centro de Astrofísica de Turim, acredita que um eletroímã pode dar conta do recado. Ele começou a fazer contas em 1994, concluindo que o eletroímã precisaria ter no mínimo 3 quilômetros de comprimento. O wormhole resultante teria baixa densidade, o que não é o ideal. Mas poderia alterar a trajetória de um raio de luz, e se isso acontecer é sinal de que a idéia do eletroímã funciona.
Outros estudiosos resolveram olhar para o céu em busca de wormholes naturais, gerados de alguma forma durante a evolução do Universo, e que podem ser gigantescos. Se eles tiverem gravidade negativa, devem criar efeitos de luz marcantes, como as imagens duplas. É o que sugere John Cramer, da Universidade do Estado de Washington.
Por isso, caso uma estrela apareça com a imagem duplicada, é muito provável que ela esteja passando por trás de um wormhole. Dos grandes. E será magnífico captar esse efeito na Terra. Teríamos uma demonstração de que a antigravidade expande mesmo o wormhole. Teríamos também um "sim" da natureza para as mais ousadas conjecturas já feitas sobre o tempo.
O romance foi filmado. Livro e filme narram a história de uma mensagem que, finalmente, chega do espaço à Terra, sendo a principal personagem interpretada pela atriz Jody Foster. Na sua próxima ida à locadora, lembre-se de incluí-lo no seu “pacote” (N.O.).