sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O colapso dos rapanui. - Pesquisas Iniciais

Pesquisas Iniciais

Mais de 3 mil km de oceano separam Rapa Nui da América do Sul, o continente mais próximo. A ilha habitável menos distante é Pitcairn, 2 mil km a oeste.

Rapa Nui tem apenas cerca de 170 km, e fica um pouco ao sul dos trópicos, o que significa que seu clima é menos convidativo que o de muitas ilhas tropicais do Pacífico. Ventos fortes e imensas oscilações no índice pluviométrico dificultam a agricultura.

A flora e a fauna são limitadas. Além de galinhas e ratos, há poucos vertebrados terrestres. Muitas das espécies de pássaros que já habitaram a ilha estão agora extintas no local.
Grandes palmeiras do gênero Jubaea cobriam a maior parte da ilha, mas elas, também, desapareceram. Pesquisa recente encontrou apenas 48 tipos de plantas nativas, incluindo 14 introduzidas pelos rapanui.

Relatos de visitantes europeus foram usados para argumentar que, na época da descoberta européia, a população nativa estava em declínio, mas eles às vezes se contradizem. Em seu registro, o explorador holandês Jacob Roggeveen, que levou os primeiros europeus a aportar ali, retratou a ilha como empobrecida e sem árvores.

No entanto, depois de partirem, Roggeveen e os comandantes de seus três navios a descreveram como "extraordinariamente fértil, com produção de banana, batata, cana-de-açúcar de espessura notável e muitos outros frutos da terra.

Essa nação, no que diz respeito a seu solo rico e bom clima poderia ser transformada em um Paraíso terrestre, caso trabalhada e cultivada de forma adequada". Um dos comandantes de Roggeveen escreveu, mais tarde, que havia avistado "extensões inteiras de florestas" a distância.

Um visitante do século XIX, J. L. Palmer, declarou, no Journal of the Royal Geographic Society, que havia visto "troncos de grandes árvores, Edwardisia, coqueiros e hibiscos". Os coqueiros foram introduzidos recentemente na ilha, portanto Palmer deve ter visto a hoje extinta palmeira Jubaea.

É claro que os registros históricos têm lacunas. Há tempos pesquisadores tentam dar respostas mais definitivas sobre a pré-história da Ilha de Páscoa, mas não raro contribuem mais para a confusão. O explorador e antropólogo norueguês Thor Heyerdahl, por exemplo, visitou Rapa Nui em 1950 e despertou amplo interesse sobre os moais e as grandes fundações de pedra, ou ahus, sobre as quais com freqüência estão assentados. Mas também ajudou a difundir conclusões errôneas.

Heyerdahl acreditava que as ilhas polinésias, incluindo Rapa Nui, haviam sido colonizadas por viajantes da América do Sul, e não do oeste do Pacífico. Em 1947, ele iniciou a famosa expedição Kon-Tiki, navegando numa pequena embarcação feita de madeira e materiais básicos, do Peru até as ilhas Tuamotu, a fim de provar que era possível que povos pré-históricos tivessem feito a viagem.

Em 1955, comandou uma expedição arqueológica a Rapa Nui. E propôs que a ilha havia sido colonizada a partir do leste, apontando semelhanças entre suas estátuas e trabalhos em pedra sul-americanos. Evidências lingüísticas e genéticas estabeleceram com solidez a origem polinésia dos rapanui, mas as conclusões feitas por Heyerdahl ainda anuviam os relatos arqueológicos.

Uma amostra de carvão descoberta na península Poike - que marca, em princípio, o local de uma antiga fornalha - foi datada como sendo de 400 d.C. Aliada à idéia então prevalecente de que a língua dos rapanui indicava muitos séculos de isolamento de outros grupos polinésios, a datação em carbono dessa amostra levou especialistas a concluir que a colonização humana começou ali por volta do século V.

Mais recentemente, no entanto, alguns arqueólogos rejeitaram essa datação, enquanto outros questionaram se as evidências lingüísticas refletem o isolamento dos rapanui em vez de uma colonização anterior.
Essa fase posterior da pesquisa passou a indicar a data de 800-900 d.C. como provavelmente a época mais anterior da colonização humana no local. Apesar de os arqueólogos realmente terem concentrado seus esforços em estabelecer exatamente quando a ilha foi colonizada, eles dedicaram muito de seu trabalho ao estudo das mudanças que esses colonizadores trouxeram, em especial o desmatamento.

A equipe de Heyerdahl colheu amostras de pólen mostrando que as palmeiras já haviam sido abundantes na ilha. Durante as escavações, características indicativas de onde as raízes haviam crescido em alguma época foram encontradas, revelando uma vegetação mais alastrada no passado e apontando para a possibilidade de que os humanos haviam causado a perda de cobertura florestal.

John Flenley forneceu grande parte das evidências mais recentes detalhadas nessa área. No final da década de 70 e na de 80, ele coletou e analisou depósitos de sedimentos de três crateras: Rano Aroi, próxima do centro da ilha; Rano Raraku, adjacente à pedreira onde muitas das estátuas foram esculpidas; e Rano Kau, localizada na ponta sudoeste da ilha. Cada uma dessas depressões tem um lago raso, que coleta sedimentos levados pelo vento de outras regiões da ilha.

A melhor evidência veio de um núcleo de 10,5 metros de Rano Kau, mostrando que durante milhares de anos a ilha havia sido arborizada antes de as árvores desaparecerem, processo ocorrido entre 800 e 1500 d.C. No entanto, mais recentemente a validade dessas datas - derivadas da datação por radiocarbono de amostras de sedimentos dos lagos - foi questionada.

Em 2004, Kevin Butler, Christine A. Prior e Flenley mostraram que as amostras volumosas de sedimento de locais como esses com freqüência contêm um pouco de carbono consideravelmente mais antigo que a data de depósito.
Isso significa que a cronologia proposta por Flenley poderia indicar que o desmatamento induzido por humanos fosse centenas de anos mais antigo do que realmente é.

Outros trabalhos arqueológicos e paleoambientais recentes desafiaram hipóteses que vigoraram por muito tempo sobre a pré-história de Rapa Nui. Catherine Orliac, do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França, realizou um estudo notável com 32.960 espécies de plantas.

Além de identificar 14 organismos não identificados antes na ilha, ela mostrou que a principal fonte de combustível dos rapanui mudou de maneira drástica. Entre 1300 e 1650, eles queimaram madeira de árvores, mas usaram capim, samambaias e plantas similares para obter combustível a partir daquele ponto.

No entanto, Orliac argumentou que pelo menos dez espécies de vegetação florestal podem ter persistido até os europeus começarem a visitar a ilha. Em outro estudo, Orliac examinou resíduos da casca dura que envolve a semente da palmeira Jubaea.

Esses exemplares que foram carbonizados, roídos por ratos ou encontrados associados a materiais humanos forneceram evidências da ocupação humana da ilha.

Ela datou vários deles e descobriu que eram posteriores a 1250.Andréas Mieth e Hans-Rudolf Bork, da Universidade Christian-Albrecht em Kiel, Alemanha, estudaram o processo de desmatamento em Rapa Nui e concluíram que as palmeiras Jubaea haviam coberto a maior parte da ilha.

Segundo eles, o desmatamento começou por volta de 1280. Os rapanui abandonaram em grande parte a península nos 200 anos seguintes, mas se assentaram novamente em algumas áreas, entre 1500 e 1675. Em 2003, o geólogo Dan Mann e vários colegas obtiveram datação por carbono de pedaços de carvão encontrados em solos de diversas localidades da ilha.

Também documentaram episódios remotos de erosão severa que, de acordo com as medições de carbono, começaram logo depois de 1200. O estudo deles, como o de Mieth e Bork, aponta que o desmatamento se deu entre 1200 e 1650, sem indícios de impacto humano anterior a esse período.

Tanto a equipe de Mann quanto Mieth e Bork conciliaram suas descobertas com trabalhos anteriores ao argumentar que a população, durante os séculos anteriores a 1200, deve ter sido pequena ou temporária.
Foi apenas quando o número de habitantes permanente cresceu que os indícios de presença humana se tornaram claros no registro paleoambiental.Mas esse cenário inclui várias suposições questionáveis. Ele exige uma pequena população colonizadora com taxa de crescimento lenta e pouco impacto ecológico.

Depois de nossa própria pesquisa em Rapa Nui, começamos a nos perguntar se a escassez de evidências acerca da presença humana anterior a 1200 deveria ser levada em consideração por seu valor nominal - talvez a ilha não tivesse sido realmente colonizada tão cedo quanto se acreditava.

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