sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O colapso dos rapanui. - Ratos no Paraíso

Ratos no Paraíso

Durante milhares de anos, a maior parte de Rapa Nui esteve coberta de palmeiras. Registros de pólen mostram que a Jubaea se estabeleceu lá há pelo menos 35 mil anos e sobreviveu a várias mudanças climáticas e ambientais. Mas, na época em que Roggeveen chegou, em 1722, a maior parte da floresta havia desaparecido.

Não se trata de uma observação nova o fato de que virtualmente todas as cascas de sementes de palmeira encontradas em cavernas ou escavações arqueológicas de Rapa Nui mostram sinais de terem sido roídas por ratos, mas o impacto desses ratos no destino da ilha pode ter sido subestimado. Evidências de outros locais no Pacífico revelam que com freqüência esses animais contribuíram para o desmatamento, e eles podem muito bem ter tido um papel importante na degradação ambiental de Rapa Nui. O arqueólogo J. Stephen Athens, do Instituto Internacional de Pesquisas Arqueo-lógicas, fez escavações na ilha de Oahu, Havaí, e descobriu que o desmatamento da planície Ewa ocorreu em grande parte entre 900 e 1100, mas que a primeira evidência de presença humana nessa parte da ilha só aconteceu por volta de 1250.

Não havia explicações climáticas para o desaparecimento das palmeiras, mas havia indícios de que o rato da Polinésia (Rattus exulans), introduzido pelos primeiros colonizadores humanos, estava presente na área por volta de 900. Athens mostrou que era bastante provável que os ratos tivessem desmatado grandes áreas de Oahu.

Paleobotânicas demonstraram o efeito destrutivo de ratos na vegetação nativa em muitas outras ilhas, mesmo naquelas ecologicamente diversas como a Nova Zelândia. Em áreas das quais eles são removidos, com freqüência a vegetação se recupera rapidamente.

E na ilha Nihoa, no noroeste das ilhas havaianas, onde não há evidência de que os ratos jamais tenham se estabelecido, a vegetação nativa ainda sobrevive, apesar dos assentamentos humanos pré-históricos.

Como clandestinos ou fonte de proteína para os viajantes polinésios, os ratos teriam encontrado um ambiente acolhedor em Rapa Nui - um fornecimento quase ilimitado de alimento de alta qualidade e, a não ser pelos humanos, nenhum predador. Em um cenário tão ideal, os roedores podem se reproduzir com tanta rapidez que sua população teria dobrado a cada seis ou sete semanas.

Um único casal poderia, dessa forma, gerar uma população de quase 17 milhões em pouco mais de três anos. Na década de 70, no atol de Kure, nas ilhas havaianas, a uma latitude similar à de Rapa Nui, mas com um fornecimento menor de alimento, registrou-se que a densidade populacional do rato polinésio teria alcançado 182 por m2. Em Rapa Nui, isso equivaleria a uma população de 1,9 milhão de animais. A uma densidade de 300 por m2, o que não seria desmedido, dada a abundância de alimento, a população de ratos pode ter excedido 3,1 milhões.

As evidências de outras partes do Pacífico tornam difícil acreditar que os ratos não tenham causado uma degradação ambiental rápida e ampla. Mas ainda há a questão de seu efeito em relação às mudanças causadas por humanos, que cortavam árvores para vários fins e praticavam agricultura de corte e queima. Acredito haver evidências substanciais de que foram roedores, mais que humanos, que levaram ao desmatamento.

Nossas escavações em Anakena, assim como estudos arqueológicos anteriores, encontraram milhares de ossos de rato. Ao que tudo indica, a população de ratos polinésios cresceu com rapidez, e decaiu mais recentemente antes de se extinguir face à competição de espécies de rato introduzidas por europeus.

Quase todas as cascas de semente de palmeira descobertas na ilha mostram sinais de terem sido roídas, sugerindo que esses animais que já foram onipresentes afetaram a capacidade de reprodução das palmeiras Jubaea. Motivos para considerar os ratos mais culpados que os humanos também são revelados pela análise de sedimentos obtidos em Ranu Kau que, como as evidências do Havaí, parecem indicar que a floresta decaiu (deixando menos pólen no sedimento) antes do uso extensivo de fogo pelas pessoas.

Quando a segunda rodada de resultado por carbono chegou, um quadro completo da pré-história de Rapa Nui começava a se formar. Os primeiros colonizadores chegaram de outras ilhas da Polinésia por volta de 1200. A quantidade deles aumentou rapidamente, talvez a um ritmo de 3% ao ano, o que seria similar ao rápido crescimento de outros locais no Pacífico.

Na ilha Pitcairn, por exemplo, a população cresceu 3,4% por ano depois da chegada dos amotinados do Bounty em 1790. Em Rapa Nui, um crescimento anual de 3% significaria que uma população de 50 colonos teria aumentado para quase 1.000 em um século.

O número de roedores teria explodido com mais velocidade ainda, e a combinação de humanos cortando árvores e ratos comendo as sementes teria levado a um rápido desmatamento. Portanto, na minha opinião, não houve um período longo durante o qual a população humana viveu em algum tipo de equilíbrio idílico com o frágil ambiente.

Também parece que os habitantes da ilha começaram a construir moais e ahus logo depois de chegar ali. Por volta de 1350, a população provavelmente chegou ao máximo de cerca de 3 mil pessoas, e permaneceu estável até a chegada dos europeus. As limitações ambientais de Rapa Nui teriam evitado que a população crescesse muito mais.

Em 1722, a maioria das árvores da ilha já tinha sumido, mas o desmatamento não precipitou o colapso da sociedade, como Diamond e outros argumentaram. Não existem provas confiáveis de que a população da ilha tenha alcançado 15 mil pessoas ou mais, e a verdadeira queda dos rapanui foi resultado não de disputas internas, mas do contato com os europeus.

Quando Roggeveen desembarcou no litoral de Rapa Nui, poucos dias depois da Páscoa (daí o nome da ilha), ele levou consigo mais de 100 de seus homens armados com mosquetes, pistolas e cutelos. Antes de avançar muito, Roggeveen ouviu disparos vindos da retaguarda.

Ele se virou e viu dez ou 12 habitantes mortos e muitos outros feridos. Seus marujos afirmaram que alguns dos rapanui haviam feito gestos ameaçadores. Qualquer que tenha sido a provocação, o resultado não foi de bom agouro para os habitantes da ilha.

Doenças trazidas de fora, conflitos com invasores europeus e escravidão seguiram-se durante os 150 anos seguintes, e essas foram as principais causas do colapso. No começo da década de 1860, mais de mil rapanui foram levados da ilha como escravos e, no final da década seguinte, o número de habitantes nativos chegava somente a cerca de 100. Em 1888, a ilha foi anexada ao Chile. Atualmente permanece como parte daquele país.

Na década de 30, o etnógrafo francês Alfred Métraux visitou a ilha. Mais tarde descreveu o fim de Rapa Nui como "uma das atrocidades mais medonhas cometidas por homens brancos nos Mares do Sul". Foi genocídio, não ecocídio, o causador do fim dos rapanui. Não ocorreu uma catástrofe ecológica em Rapa Nui, pois ela foi resultado de vários fatores, não somente de miopia humana.

Acredito que o mundo enfrente, hoje, uma crise ambiental global sem precedentes, e compreendo a utilidade de exemplos históricos sobre as armadilhas da destruição ambiental. Portanto, foi com certa inquietação que concluí que Rapa Nui não fornece tal exemplo.

Mas, como cientista, não posso ignorar os problemas encontrados na narrativa aceita sobre a pré-história da ilha. Erros ou exageros nos argumentos para a proteção do ambiente somente levam a respostas simplistas ao extremo e prejudicam a causa do ambientalismo. No final, acabaremos nos perguntando por que nossas respostas simples não foram suficientes para fazer alguma diferença na confrontação dos problemas atuais.

Os ecossistemas são complexos, e há necessidade premente de compreendê-los melhor. Com certeza o papel dos roedores em Rapa Nui mostra o impacto potencialmente devastador, e com freqüência inesperado, de espécies invasoras. Espero podermos continuar a explorar o que aconteceu em Rapa Nui e a aprender qualquer que seja a lição que essa ilha remota tem a nos ensinar.

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