quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Falsas Memórias: Por que lembramos de coisas que não aconteceram?

CONSIDERAÇÕES FINAIS - As influências de algumas manipulações experimentais para a produção e perpetuação das falsas memórias espontâneas e sugeridas podem ter implicações para situações aplicadas, principalmente na área jurídica, por exemplo na avaliação de testemunhos.

Dentre estas manipulações experimentais podemos citar o momento da testagem da memória e o momento em que a sugestão é apresentada. Estudos, como por exemplo o de ROEDIGER e MCDERMOTT
(1995),
utilizando o paradigma das listas de palavras associadas, observaram um aumento significativo no índice de falsas memórias num segundo teste de memória com adultos, sete dias após a apresentação da lista original, em comparação a um teste realizado imediatamente após a apresentação do material alvo.

Portanto, com o passar de apenas uma semana podemos afirmar que houve um decréscimo das respostas verdadeiras e um aumento significativo dos alarmes falsos (palavras reconhecidas como tendo sido realmente apresentadas, mas que na realidade não o foram).

Já em relação a sugestibilidade da memória, a variável temporal também exerce influência. Em situações forenses, a sugestão de informações falsas freqüentemente ocorre muito tempo após o testemunho do evento investigado. Manipulações experimentais do momento da apresentação da sugestão de informação falsa evidenciaram resultados como os de WARREN e LANE
(1995
), que observaram que a memória de adultos era mais afetada pela sugestão de falsa informação quando esta era apresentada uma semana após a apresentação do evento alvo.

BELLI, WINDSCHITL, MCCARTHY e WINFREY (
1992)
também obtiverem resultados similares. Outras manipulações experimentais que vem sendo estudadas referem-se ao efeito da persistência das falsas memórias e o efeito de um teste anterior sobre um teste posterior.

O efeito da persistência das falsas memórias refere-se ao fenômeno, já demonstrado com crianças (BRAINERD, REYNA e BRANDSE,
1995; POOLE, 1995; STEIN, 1998) e com adultos (PAYNE, ELIE, BLACKWELL e NEUSCHATZ, 1996
), de que as falsas memórias podem sobreviver tanto ou mais que as memórias verdadeiras.

Em uma pesquisa realizada com advogados e juízes, FISHER e CUTLER (1992) constataram que a consistência de relatos em uma série de entrevistas com a mesma testemunha é um critério chave muito utilizado no âmbito forense,
para determinar a credibilidade do testemunho. No entanto, alguns estudos recentes sobre a persistência de ambas memórias, verdadeiras e falsas, levantam dúvidas sobre a validade do critério de consistência (REYNA, no prelo).

A influência de um questionamento anterior, ou seja, o efeito de um mero teste de memória anterior sobre um teste de memória posterior apresenta dois componentes: a proteção das memórias verdadeiras contra o esquecimento e a criação de memórias falsas.

A proteção ou inoculação da memória verdadeira refere-se ao efeito de que num teste posterior há um aumento de respostas corretas (verdadeiras), quando os participantes receberam um teste anterior (BRAINERD e ORNSTEIN,
1991). Já a criação de falsas memórias ocorre devido a uma maior aceitação de distratores semanticamente relacionados ao evento original no teste posterior, quando os participantes receberam um teste anterior (BRAINERD e REYNA,1996).

Assim, o fato da memória das pessoas ter sido testada, ou seja, o fato das pessoas terem sido, por exemplo, entrevistadas ou indagadas a respeito de um determinado assunto, colabora para um aumento significativo das falsas memórias (BRAINERD e MOJARDIN,
1998
).

No âmbito da Psicologia Clínica, normalmente as sessões terapêuticas desenvolvem-se em torno de uma temática central (por exemplo, um trauma emocional ou físico), em que as experiências trazidas pelo paciente são exploradas em relação a este tema principal.

O mesmo ocorre em situações jurídicas, nas quais tanto os procedimentos usuais de perícia psicológica quanto os questionamento de testemunhas versam sobre um tópico central (neste caso, pode ser um crime que está sendo investigado).

Portanto, tendo por base os resultados de experimentos que investigam os mecanismos responsáveis pelas falsas memórias como os de STEIN e PERGHER (no prelo), entre outros, não é de se admirar que seja bastante comum a situação em que pessoas, submetidas a psicoterapia ou sob investigação forense, produzam falsos relatos, que não sejam baseados em simulação (i.e., mentira), mas sim em memórias que substanciam o foco central do fato em questão.

Pode-se citar ainda outros fatores que podem vir a comprometer a fidedignidade do relato de crianças e adultos, como os questionamentos repetidos durante longo intervalo de tempo, o tipo de perguntas feitas e o status do entrevistador (BRUCK et al.,
1995; CECI e BRUCK, 1996; CECI et al., 1987
).

As manipulações experimentais aqui apresentadas têm importantes implicações jurídicas e clínicas, uma vez que revelam fatores que contribuem para falsificação da memória. A morosidade do sistema judiciário, os sucessivos questionamentos sobre um evento, o modo de fazer os questionamentos são alguns exemplos dos fatores que propiciam uma maior ocorrência de falsas memórias.

O estudo das falsas memórias, apesar de ser ainda uma área nova, está em crescente expansão. As pesquisas apontam caminhos, porém ainda há várias questões a serem elucidadas em relação aos mecanismos e processos responsáveis pelo aparecimento das falsas memórias, bem como em relação às questões ligadas ao desenvolvimento das mesmas.

Arquivo. Ciência. Saúde Unipar, 5(2): mai./ago., 2001.

Nenhum comentário: